A Mudança de Hábitos na Cozinha Italiana em São Paulo
Mudança de Hábito, ou Hábitos....
Calma pessoal, minha coluna não é sobre cinema, também não vou falar de freiras e sim sobre Culinária Italiana e aqui quero falar um pouco de como mudou o hábito de servir e de consumir pratos da culinária italiana nos últimos 30 anos em São Paulo e é claro também no Brasil.
Começarei pelos anos 70, aos quais não trabalhava ainda no ramo, mas junto com minha família frequentava muitas casas e cantinas que serviam destas deliciosas iguarias...
Naquela época existiam muitas Cantinas e Trattorias, porém nem chegavam perto do número de hoje na Grande São Paulo. Aos quais realmente o número diverge muito, por isso nem vou tocar nesse assunto... Minha intenção é falar de como o hábito mudou. Neste tempo o serviço tradicional era o A
la carte em grandes porções. Eram pratos que serviam até 4 pessoas, familiares, pois o hábito, naquela época eram as reuniões de família, principalmente aos domingos.
Lembro-me de porções e bandejas enormes, aliás, era praxe o serviço vir naquelas baixelas de inox ovais, hoje ao vê-las acho horríveis, porém naquela época não havia outros tipos de serviço comparáveis e com isso não se notava esta diferença, sinal que com advento de novas formas de serviço, meu hábito também mudou...
Os pratos também não mudavam de uma local ao outro, sempre no cardápio a oferta era Lasanha a Bolonhesa, Canelloni de Ricota com espinafre, Ravioli de ricota ou carne, Fusili com bracciola, Polpettone, Filet a parmegiana, a Cubana (que não é italiano e nem cubano...), polenta frita, frango a passarinho, salada de agrião (da famosa Rota Demarchi dos Restaurantes em São Bernardo do Campo), depois alguns diferentes como alla Romanesca ( bechamel, ervilha, cogumelo e presunto), berinjela a parmegiana, mas não saía muito disso
Nos anos 70 era muito difícil encontrar restaurantes tipicamente italianos com porções individuais, porém em restaurantes com outras tendências como a francesa, por exemplo, e um que frequentava muito com meu pai era o Coq Hardy na Av. Santo Amaro, pois ele era um dos fornecedores e também o Le Casseroule, ainda mais requintado. Era época do advento da Noveille Cuisine do renomado Chef Paul Bocuse que influenciou as cozinhas mundiais como um todo, o serviço consistia em diversas nuances e pequenas porções servidas separadamente e subsequentemente aonde a apresentação e a concepção transcendia a quantidade e o gosto, seria como dividir um prato em 4, 5 ou 6 capítulos e em cada um uma nova experiência, uma nova sensação.
Os Restaurantes Italianos mais típicos e mais frequentados se localizavam entre o Centro expandido,
Região da Paulista e Zona Sul, alguns muito famosos como o O Fasano, Terraço Itália, O Massimo, O La Farina, La Tambouille ( do querido e saudoso Gian Carlo Bolla) também na região da Augusta e Consolação, como o Giovanni Bruno (in memoriam), o Jardim de Napoli ( o Rei do Polpettone),o Gigetto, nas ruas Avanhandava e Martinico Prado, aliás, que ainda boa parte funciona. Outra famosa região de Restaurantes típicos italianos era o Largo do Arouche, lá encontrávamos a Famosa Cantina “O Gato que Ri”.
Nesses casos houve um advento de uma nova Cozinha Italiana com tempero paulista, a Cozinha Cantineira que adaptavam novas e antigas receitas dentro do padrão da Cozinha do sul da Itália, mais a cantina precisamente napolitana, cilentana e siciliana. Pratos como o famoso Ravioli alla Romanesca, ou Tagliarine alla Parisiene, criados por Giovanni Bruno e que não existem na Itália. O próprio e famoso Filet a Parmegiana nasceu nestas cantinas e nunca foram feitos ou criados na Itália, acredito que e conforme já escrevi este prato foi uma adaptação da Melenzane alla Parmigiana ( Berinjelas a parmegiana) com carne e com a junção de uma receita bem típica da Itália que é a técnica do Milanesa.
Mesmo assim, com o advento de uma nova cozinha a forma de servir não havia mudado até o limiar dos anos 80
Nos anos 80 eu destaco duas grandes inaugurações que mudaram para sempre os hábitos antigos, uma foi da Família Mancini, do meu amigo Walter Mancini que inaugurou um novo serviço, além do
Tradicional A La Carte para 2 pessoas, que até então não era muito usado nas Cantinas Italianas, que era o Antepasto por peso e apresentado de forma rústica e despretensiosa em grandes quantidades, como nas bancas de alimentos no Mercadão Central. Lembro-me que na primeira vez que fui lá, me encantei e muitos que ali foram também se encantaram, parecia uma “cascata de comida” tornando essa casa umas das mais visitadas na década de aonde foi um marco de um novo serviço no comércio restaurador de São Paulo.
Outro destaque foi o Lellis, não por inovar, mas por trazer a Cantina de bairro pra dentro dos Jardins (Tradicional Bairro Paulistano de Classe A)
A outra inauguração a que me refiro foi o do Leopoldo do Gian Carlo Bolla, que trouxe à Culinária Italiana da época em São Paulo dois itens muito importantes, primeiro o Glamour e requinte em receitas menos tradicionais e mais contemporâneas e o serviço individual em pratos e iguarias da Cozinha Italiana discernidos em um novo contexto, mais moderno e antenado com o que acontecia na Itália dos anos 80.
Aos anos 80 também foi o BOOM das cantinas Italianas de outros bairros de São Paulo de deslocarem para as regiões em torno da Paulista, como o Cerqueira César e os Jardins que se adaptaram as novas realidades, usando conceitos da Nouvelle Cuisine, a contemporaneidade pulsante do então advento da “Nova Cozinha Cantineira”. Algumas delas até tinham Menus diferentes em suas
filiais de bairro, que conservavam os antigos hábitos para agradar os clientes tradicionais e em suas filiais da região da Paulista, novos hábitos que agradavam os então “ Novos Ricos” ou a Nova Classe Média que surgem nesta época.
Nesta época destaco nomes como La Vecchia Cucina do Sergio Arno, Spaghetti Notte, Taormina da Helena Morici, Buttina da Filomena Chiarella, In Città da Chef Paola Tedeschi entre outros...
Também foi o Berço de novas Cantinas que ainda conservavam os hábitos antigos e com o tempo foram fechando ou se adaptando aos novos tempos, posso citar várias aqui, mas com medo de esquecer alguém que conheço, voltamos ao assunto que interessa...
Nos anos 90 cresceram muito o serviço de Self Service no almoço em Cantinas e assim a mudança de hábito foi a mescla de 2 serviços, o Self Service, a peso ou por pessoa, conforme o local e a noite a mesma casa usava o serviço A La Carte com um Menu bem mais enxuto e pratos individuais. Como foi na época que comecei a trabalhar neste ramo a maior dificuldade das cantinas italianas era como conseguir produtos de qualidade, novos e modernos ingredientes, novas receitas, novas técnicas e profissionais de excelência.
Não existiam escolas especializadas e nem Internet de qualidade e acessível para buscar estas
informações, na verdade era difícil inclusive um livro de qualidade sobre gastronomia que pudéssemos pesquisar sobre técnicas e novas tendências. O que existia eram livros de receitas em português, meus primeiros livros foram do meu irmão e amigo Silvio Lancellotti, da Ofélia e o famoso Dona Benta e meus primeiros livros de “Culinária” de qualidade li em inglês e francês com um dicionário na mão (Larrousse Gastronomique, La Nouvelle Cuisine Francaise, entre outros. Até hoje traduzo muitas frases em francês, mas não sei pronunciar nem 30 palavras desta língua, já no inglês me viro bem e o italiano pra mim que quase era uma língua mãe, nunca tive dificuldade. Agora imagina toda esta minha dificuldade em aprender sobre Gastronomia multiplicada pelos milhares de profissionais da época... Imaginou?
Por isso que no final dos anos 90 e começo dos anos 2000, muitos profissionais italianos desembarcaram aqui e trouxeram em suas malas e cases, novos ingredientes, novas receitas, novas técnicas e principalmente novos conceitos e hábitos, o que fizeram dos Restaurantes de Cozinha Italiana de São Paulo nos anos 2000 mudarem de uma cozinha simples e trivial para algo mais moderno e jovial. Não esqueçam que sou um defensor ferrenho da Cozinha Clássica Italiana, mas mesmo ela , no seu contexto original era de uma complexidade muito substancial para as cozinhas de restaurantes típicos italianos nos anos 70, 80 e 90 tornando operacionalidade quase impossível. Já hoje contextualmente falando, aplicar a cozinha italiana clássica ficou muito mais fácil. Eu mesmo em 1999 fui para a Itália, não só para me modernizar, mas para me colocar, conceitualmente falando, em outro patamar.
E assim aconteceu como um todo na Cozinha Italiana no Brasil, vários profissionais saíram daqui para se especializar e voltaram com novas técnicas e idéias. Houve também, no Brasil, um boom de
Escolas de Gastronomia, mas em detrimento da Cozinha Italiana não foi salutar, pois os docentes especializados nesta cozinha e destas Instituições não fizeram um “excelente” trabalho e cansei de constatar muito recém-formados sem saber o básico da Cozinha Italiana, mas isso é uma discussão para outro texto...
Nessa época o grande boom foram os Risottos de Arrozes Italianos - Arbóreo Cannaroli e Vialone Nano (Introduzidos em boa parte pelos Chefs Luciano Bosseggia, Sergio Arno, Salvatore Loi, Roberto Ravioli, Paulo Barros e muitos mais... ). Muitas casas antigas se modernizaram e muitas outras novas surgiram com o advento de novas técnicas complexas de massas recheadas, molhos mais bem trabalhados, novos antepastos e com uma concepção bem mais contemporânea.
Entre os anos de 2009 a 2017, Infelizmente o que vemos é um Grande declínio daquele BOOM conquistado pelos Restaurantes de Cozinha Italiana. O aumento da Violência, o custo de vida, a oferta, os preços acessíveis levaram grande parte destes clientes para as refeições fast food “conceitualmente italianas”, mas que não têm absolutamente nada a ver! E para restaurantes em Shoppings e Praças de Alimentação, específicos franqueados ou não e que tiveram um crescimento bem fora do comum na última década.
Gostaria de salientar, antes de terminar este texto, é que o conceito Self Service já existia nos anos 70, mas em bem poucos lugares, como “Ver o Peso” na região do Largo do Arouche. Porém nos dias de hoje é o praxe na maioria dos restaurantes, concordo que é uma opção mais econômica para o cliente, mas fez com que a qualidade da refeição caísse bastante.
Pratos italianos clássicos, como Pasta corta, Pasta Luonga, Pasta Rippiena, risotti, etc...não convivem bem em réchauds e ilhas de serviço quente de buffet e ao meu ver isso vai levando os hábitos de se consumir a cozinha italiana ao reverso, isto é, na contramão de sua evolução.
Pra Terminar só queria dizer que mesmo com as mudanças de hábitos e de costumes, ainda você
contatará uma Cozinha Italiana de excelente qualidade em São Paulo e em outras capitais e cidades pelo país e conforme seu gosto, tradicional ou contemporâneo, simples ou sofisticado, sempre encontrará o que procura.
Gostaria de me desculpar se esqueci de mencionar alguém deste nosso mundo “ Della Cucina Italiana” não por que esqueci, mas que não coube neste texto, que está muito longo...
Baci I Abbracci,
Saluti a tutti
Chef Paulinho Pecora
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